Clayton Nascimento em MacacosDivulgação / Valmyr Ferreira

Rio - Clayton Nascimento morava no alojamento estudantil da Universidade de São Paulo (USP) quando, em uma noite, ligou a televisão e viu uma torcida inteira em um estádio de futebol chamar um jogador de "macaco". Naquele momento, despertou no então estudante a curiosidade que originou o livro e espetáculo "Macacos", sucesso de críticas e descrito como um fenômeno pela grande atriz Fernanda Montenegro.

"As pessoas estão fazendo isso dentro de um espaço televisionado. Como elas estão xingando sabendo que muito provavelmente estão sendo filmadas? Foi quando me deu o primeiro clique. Assim, começa a minha pesquisa para descobrir qual é a origem do xingamento macaco", explica o ator, roteirista e diretor de teatro.

O artista de 35 anos, que chegou ao teatro ainda criança, levado pela mãe, encerrou as apresentações no Rio em março com plateias lotadas e agora segue para voos mais altos, como uma temporada internacional a partir de maio. Na bagagem, um prêmio Shell de Teatro e muitos planos futuros, como o contrato assinado com a TV Globo para ser roteirista de um novo projeto da emissora. Ao DIA, o ator fala sobre a criação do espetáculo, suas grandes inspirações na arte, a atuação na novela "Fuzuê" e sobre o racismo no país.

'Macacos'

A peça é um monólogo de cerca de três horas, no qual o ator retrata e expõe o racismo e a história do Brasil. O espetáculo nasceu de uma cena de 15 minutos exibida em festivais de cenas curtas em diversos estados do Brasil. Clayton diz que viu ali uma chance de testar a qualidade da sua produção, levando um conteúdo que cada região gostaria de ver.

"Eu falava que se chamarem a minha peça para o Rio de Janeiro, eu levaria um episódio de um estudo sobre escravidão por lá. Com isso, uma cena de 5 minutos foi se somando aos 15 e assim foi em cada festival que participava. A peça foi conquistando a sua primeira hora e quarenta minutos", explica ele, que nasceu no Piauí, mas cresceu em São Paulo.

Em 2022, ele estreou a apresentação no formato longo, quando decidiu inserir no roteiro a sua própria história. "Como eu havia passado por uma situação muito desagradável na Avenida Paulista, eu havia combinado de não falar nada sobre mim", comenta o ator, relembrando um episódio de racismo que sofreu em São Paulo, quando foi parado em um ponto de ônibus, acusado de roubar uma loja e de bater em uma mulher.

"O tempo vai passando, eu perco a minha mãe nesse caminho e percebo que, provavelmente, seria o único monólogo que faria na minha vida. Então, eu pensei: 'Deixe na dramaturgia quem foi você'. Então, eu coloco um episódio sobre mim, e a peça alcança as suas duas horas e 10 minutos", detalha.

Clayton interage com o público durante toda a apresentação, o que faz com que a atração atinja as três horas de duração. "Tem noites que a peça bate duas horas e meia, quando o público é mais quietinho, mas quando o público fala, brinca, ri e bate palmas, vai lá para duas e quarenta, três horas, e assim eu cheguei até esse número".

O ator revela que, como cidadão, gostaria de assistir o espetáculo para entender o misto de sensações que a plateia relata. Já como diretor, ele explica que precisou pensar em ferramentas para ter a atenção do público para um tema difícil, como o racismo e a escravidão.

"Quando eu aprendi que se o público todo ri é porque se reconhece como comunidade, eu preciso fazer a plateia dar risada quando eu falo sobre racismo. Aí, eu volto para a sala de ensaio e descubro de onde posso tirar a risada sem inferiorizar a importância do assunto nem o intelecto do público. Uma coisa que a gente aprende desde o início do estudo de artes cênicas é que o publico não é burro", observa Clayton.

História no presente

Uma das características de "Macacos" é ser uma obra aberta. Segundo o artista, isso acontece por estar diretamente ligada à história. "É uma peça que está conectada com a história, e a história é um livro aberto. Claro que eu tenho pontos muito bem definidos. Mas, muitas vezes, ela se torna uma aberta, como aconteceu quando tive que falar dos novos acontecimentos do caso da Terezinha", diz ele, referindo-se à Terezinha Maria de Jesus, mãe de Eduardo, que foi morto por policiais em 2015 no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, aos 10 anos.

Inspiração

Perguntado sobre as inspirações que o fazem subir nos palcos, Clayton cita diversos nomes, como o ator, dramaturgo, poeta e escritor Abdias do Nascimento e os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo. "Mulheres me inspiram muito. Conforme eu estudava, eu via o que as mulheres passaram e ainda passam para sobreviver na história… É muita coisa. Sou muito fã da força crítica artística de Léa Garcia, Ruth de Souza, Neusa Borges e Zezé Motta, com quem tive a alegria de trabalhar de perto nos últimos tempos", apresenta, destacando ainda o ator Milton Gonçalves. “Abriu caminho para que eu conseguisse entrar em uma novela".

"E toda vez que tô em cena ou vou entrar em cena ou talvez me sinta cansado ou até talvez esteja no modo automático, eu coloco uma boa Beyoncé e não é nem só para tocar, é numa tela, porque quando eu vejo essa mulher trabalhando, ela me mostra muito sobre qualidade e a importância do ensaio. Fazer as coisas procurando o melhor do que você pode fazer", analisa o ator.

Do teatro para a TV

Em 2023, Clayton dividiu seus dias entre a peça e sua primeira novela. Ele interpretou Caíto Figueroa Roitman.na novela "Fuzuê", exibida no horário das sete da TV Globo. "Foi muito maravilhoso, pois mudou a linguagem. Eu saía do teatro com uma linguagem expansiva, e precisei ir para a TV, que é um pouco mais minimalista. Como garantir a potência e a entrega sem diminuir a qualidade? Eu me dediquei a estudar durante a novela e foi um belíssimo aprendizado", relata.
O intérprete ainda explica que o sucesso nos teatros não teve relação com o convite para trabalhar no folhetim. "As pessoas costumam achar que eu ganhei o [Prêmio] Shell e depois fui convidado para fazer novela, mas o caminho foi o oposto. Quando eu ganhei o prêmio, eu já havia sido aprovado para estar na novela. Eu fiz um teste como os atores que entram pela porta da frente".

A televisão ainda continua nos planos do artista. "Fui contratado pela Globo como roteirista e diretor de um projeto que vai para o ar nesse ano. Já estou escrevendo e entendendo como isso vai acontecer", revela.

Turnê internacional

Após se despedir do Rio de Janeiro com os ingressos esgotados e teatro cheio, Clayton Nascimento segue para um ritmo ainda mais desafiador, com uma temporada internacional, intercalando em alguns momentos com apresentações no Brasil.

Desde o fim das apresentações no Rio, o ator já esgotou os ingressos no Festival de Curitiba e nos dias 21 e 22 de maio, ele se apresentará gratuitamente no Parque das Ideias, no Centro. Depois, em junho, viaja para a Europa. "Enquanto estarei na turnê internacional, estarei também em uma nacional. Na maioria das vezes, eu irei para um festival, sendo pontual. Então, nos buracos estarei por aqui", conta.

O ator espera com confiança a recepção da peça em outros países. "O meu único receio é quando eu chegar em Portugal. É o único lugar que hoje em dia eu fico em dúvida sobre o que vai acontecer", diz o roteirista, que cita o país em diversos momentos do espetáculo.

"No mais, tenho uma estranha segurança movida pela minha intuição. Artistas portugueses me escrevem desejando ver o espetáculo. No Brasil, alguns portugueses já assistiram e disseram: 'que se tudo o que você diz é um fato histórico', e de fato é, 'isso nos deixa reflexivos diante da história que a gente aprende e ensina'. É isso. Tem toda uma rede para ver minha chegada no país", complementa.

Racismo

Sobre o racismo na arte, o piaulistano, como o mesmo se define, acredita que há uma mudança em andamento: "Já senti muito mais. Agora, a gente vê a chegada na televisão de atores, diretores e roteiristas. A gente vê que o assunto vai se aproximando cada vez mais e com uma roupagem de pessoas pretas, que escolheram essas peças de roupas".

"Está mudando. Sobretudo, o que mais está acontecendo agora é que pessoas pretas estão falando sobre as pessoas pretas. E esse é o ponto que eu acho mais importante de ser trazido. A garantia disso tudo é que não teremos a dor romantizada, rombos históricos e não teremos a dor num lugar romantizado nem caricaturas de subjetividades. Nós teremos subjetividades", conclui.