Colunista Rafael NogueiraReprodução

Cultura é difícil de definir. E nem essa definição tem escapado da tal polarização que tanto caracteriza a nossa época. A polarização política, embora tenha suas virtudes, como já defendi nesta coluna, ao impedir a opressão de grandes massas silenciadas, também traz consigo um fardo pesado. A retórica inflamada e muitas vezes vazia, que visa mais à exploração do descontentamento do que à busca de soluções, obscurece a autenticidade e compromete o verdadeiro progresso da discussão.
No âmbito cultural, temos um reflexo muito claro dos polos de esquerda e direita.
A desconfiança em relação à nova direita é alimentada pela percepção de uma gestão opaca e excessivamente politizada dos recursos culturais, bem como pela crença de que tais recursos são desproporcionalmente concentrados nas mãos de poucos privilegiados. Essa desconfiança, no entanto, leva a dois erros graves: o corte indiscriminado de verbas para a cultura e a ausência nos processos decisórios do setor.
Para compreender melhor este cenário complexo, devemos considerar a ascensão da nova direita, que emergiu das manifestações populares de 2013 como uma força política em formação. Diferentemente dos partidos tradicionais, essa nova força não teve tempo para compreender plenamente os meandros da administração pública nem para desenvolver soluções pragmáticas para os desafios culturais.
Por outro lado, a esquerda frequentemente pinta a direita como inimiga da cultura, enquanto se vende como a única e real salvadora. É preciso reconhecer, porém, que o sistema cultural, construído sim pela esquerda, também apresenta falhas significativas; algumas das quais ela reconhece. Destaco a falta de dados para tomadas de decisão, a tendência à captura ideológica dos recursos e a exclusão de vozes dissidentes. Esse não é o caminho para uma política cultural que faça sentido numa democracia.
Nesse contexto, procuremos uma abordagem mais equilibrada e profissional. A esquerda deve ir além da gritaria nonsense e se comprometer com uma gestão cultural que funcione e que seja transparente. Enquanto isso, a direita precisa abandonar a postura reativa e investir na modernização e na compreensão — também, mas não só — do aspecto econômico da cultura, reconhecendo-a como um investimento, não gasto supérfluo.
A conversa de que o dinheiro da cultura, se fosse à saúde, faria hospital, se fosse à educação, faria escola, se fosse à agricultura, faria alface, tomate e cebola, é meia verdade. O circuito econômico dos grandes eventos traz renda de fora, gera emprego, fortalece empresas, aquece indústrias e rende ao estado em imposto. Ao fim e ao cabo, dá mais hospitais, escolas e alimentos do que via investimento direto.
Uma Oktoberfest, só para pegar um exemplo, aumenta o fluxo de turistas, que lotam hotéis, usam a rede de transporte e consomem nos restaurantes. Mais latinhas de cerveja vendidas significa, no mínimo, mais trigo do Rio Grande do Sul e mais metal de Minas Gerais circulando, além do valor agregado catarinense. E tem toda a cadeia dos figurinos, das maquiagens, dos músicos, dos dançarinos, dos iluminadores etc.
Eventos culturais, como o próprio Carnaval, não apenas enriquecem nossa experiência coletiva, mas também impulsionam a economia local, gerando empregos e estimulando o crescimento.
O agronegócio, força motriz da economia nacional, desempenha um papel de protagonista nesse processo sempre que patrocina projetos culturais por meio de leis de incentivo, promovendo, pela maior difusão dos recursos que acumula, o desenvolvimento da região que ele escolher.
O valor econômico da cultura vai muito além de um entretenimento divertidinho (que também é cultura, mas não é toda ela). A cultura, com sua riqueza e diversidade, é um patrimônio que pode e deve transcender fronteiras políticas e partidárias. Assim sairemos do ciclo vicioso do abre e fecha a torneira, das acusações de mamata, e da demagogia do "a cultura voltou". A cultura não voltou pela simples razão de que ela jamais foi embora.