Da esquerda para direita, Rhayanny Souza, Marisa Chaves, Silvia Souza (mãe), juiz André Brito, Hélder Moreira (DPRJ) e Guilherme Jacques (Rio Sem LGBTfobia) Carolina Calháu/DPRJ

No Dia da Mulher, em ato simbólico e histórico, o juiz André de Souza Brito determinou, nesta sexta-feira, a requalificação civil pós-morte na certidão de nascimento e atestado de óbito da mulher trans, cantora e passista gonçalense Amanda de Souza Soares Souza, de 23 anos, durante audiência, na Justiça Itinerante de Subregistro, na Cidade Nova, Rio de Janeiro.
A decisão foi celebrada pela família da passista, que lutava, há 45 dias, para ‘honrar’ o nome da Amanda, assassinada brutalmente, por um homem com quem se relacionava, no último dia 1 de fevereiro, próximo de sua casa, no bairro Jardim República, em São Gonçalo. O acusado foi preso. A passista havia sido sepultada com nome civil masculino, pois, por uma exigência legal, o cartório se recusou a emitir o atestado de óbito com o nome social da trans.
Além dos familiares, na audiência de requalificação participaram o defensor público Hélder Moreira (Coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual da DPRJ- Nudiversis), a gestora do Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), Marisa Chaves, que atendeu a família, e Guilherme Jacques, advogado do Centro de Cidadania LGBTI da Metropolitana I (Niterói), que, conjuntamente, ajudou no andamento dos trâmites legais.
"O caso da Amanda serve como exemplo para a distinção entre o nome social e a requalificação civil. Ela havia efetuado apenas a primeira mudança do nome social, que representa a identidade perante a sociedade. A requalificação, porém, é mais ampla, tem a finalidade de retificar sua certidão de nascimento e dar oficialidade às atribuições civis, como abrir uma empresa, gerar certidões e movimentações financeiras", explica o defensor público Hélder Moreira, solidário à criação de novas legislações para contemplar direitos à população 'trans'.          
‘A senhora não tem ideia da grandeza do seu gesto’
Durante a audiência, o juiz André Brito enalteceu a luta da família em perseverar na busca por justiça, mesmo após o cruel assassinato da passista e, reiterou, que, o apoio e reconhecimento, em vida, à transição de gênero da Amanda é um exemplo a ser seguido. “A senhora não tem ideia da grandeza do seu gesto. Como mãe, apoiou a sua filha em vida, dando à ela a chance de vencer preconceitos e discriminações. E, após a morte, lutou pelo reconhecimento do registro civil”, parabenizou o juiz, enquanto assinava a prolação da sentença.
Emocionada, Silvia de Souza, de 52 anos, chorou ao receber a decisão e ressaltou a importância da sentença, que, segundo ela, eternizará Amanda como um dos símbolos no combate aos ‘transfeminicídios’ e na luta pela causa da população ‘trans’. “Justamente, no Dia da Mulher, Amanda pode ir em paz. Se via como mulher e morreu por ser mulher trans. Posso dizer, sepultei Amanda. Mas ela será eternizada. Nossa luta não foi em vão e não vai parar. Essa vitória na Justiça coloca Amanda como símbolo na luta contra o ‘transfeminicídio’ e as discriminações sofridas pela população ‘trans’ e seus familiares”, ressalta, Silvia, já com um sorriso no rosto e o papel da sentença em uma das mãos.
‘Estamos felizes, pois, no Dia da Mulher, essa decisão representa um avanço na luta contra a discriminação e a violência de gênero’
Para a gestora do MMSG, Marisa Chaves, a decisão do juiz André Brito representa um avanço, tanto no âmbito da Justiça, quanto no simbolismo representativo, pois joga ‘luz’ na luta da população ‘trans’ ao combate à violência, discriminação e preconceitos arraigados, há anos, em nossa sociedade. “Estamos felizes. No Dia da Mulher, essa decisão representa um avanço na luta contra a discriminação e no combate às violências de gênero e doméstica em todo o país. Estou impressionada com a disposição e firmeza da decisão do magistrado, pois, mostrou sensibilidade e celeridade no cumprimento das garantias de direitos”, reitera a gestora.
Durante discurso, Chaves repudiou os 145 ‘transfemicídios’ e 1.463 feminicídios registrados no Brasil, em 2023. No dia 13, os parentes da Amanda irão ao Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM), na Defensoria Pública, protocolar um pedido à Polícia Civil para que trate o caso como transfeminicídio.
“A Amanda foi assassinada porque era uma mulher trans, porque se via como uma mulher. Há indícios de que o acusado conhecia a vítima e usou essa prerrogativa para planejar e praticar o crime. Lutamos, há 34 anos de MMSG, para que esses crimes não fiquem impunes. Precisamos combater e prevenir, com veemência, os feminicídios e os transfeminicídios. Vamos solicitar, através da Defensoria Pública, que a polícia trate o caso da Amanda como transfeminicídio”, completa Marisa.
Deputado ‘batizará’ lei com nome ‘Amanda Soares’
Cantora e passista de escola de samba Amanda de Souza Soares está prestes a se tornar um símbolo na luta pelos direitos dos ‘transexuais’ e no combate aos ‘transfeminicídios’ no Brasil. Após articulação do Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), Amanda será homenageada e dará nome a um projeto de lei, de autoria do deputado estadual Carlos Minc, que ampliará as garantias de direitos à população ‘trans’.
Ao se reunir com familiares da passista, na última terça-feira, em seu gabinete, Carlos Minc decidiu formular emendas ao antigo Projeto de Lei 3357/2010, de sua autoria, e, assim, promover alterações, ampliando as prerrogativas legais. O texto original versava apenas sobre o reconhecimento do direito do uso do nome social para travestis e transexuais nos órgãos da administração pública estadual. Segundo Minc, devido ao longo período do trâmite, o texto precisa contemplar novas demandas de direitos e necessita de revisão para realocar categorias e nomenclaturas.
“O caso da Amanda, em todo seu contexto, tanto em relação à crueldade do crime, motivado pela sua identidade de gênero, quanto às questões sobre os registros civis, merecem atenção das autoridades e ações preventivas. Daremos apoio à família e, como integrantes da comissão do ‘Cumpra-se’, vamos trabalhar para o cumprimento das leis. A ideia é usarmos esse projeto de lei, que já existe, ampliar o debate sobre as garantias legais à população ‘trans’, e levarmos para aprovação. Vamos batizar essa nova proposta de Lei Amanda Soares”, ressaltou o deputado, que pedirá regime de urgência para votação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
MMSG atenderá vítimas de violência em três municípios
Durante a audiência, onde acompanhou à família da ‘trans’ Amanda Soares, Marisa Chaves voltou a destacar que o MMSG está implementando o Projeto NEACA Tecendo Redes, iniciado em 2024, e com a parceria da Petrobras, atendimentos às demandas relativas às violências domésticas e gênero. O projeto abrangerá os municípios de São Gonçalo, Duque de Caxias e Itaboraí e tem como objetivo contribuir para a promoção, prevenção e garantia dos direitos humanos de crianças, adolescentes e jovens.
Em caso de ajuda, o MMSG disponibiliza seus serviços, de segunda à sexta-feira, das 9h às 17hs, nos endereços abaixo:
NEACA (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 201, Zé Garoto. (2606-5003/21 98464-2179)
NEACA (Itaboraí)- Rua Antônio Pinto, 277, Nova Cidade. (21 98900-4246).